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ELIZABETH 2ª FOI ÍCONE PARA MÃES QUE VIAM NELA O SÍMBOLO DE UMA GRANDE MULHER
Acadêmico: Betty Milan
Sempre imaginei que a rainha era imortal, mas me enganei; o tempo passa para todos


Morte de Elizabeth 2ª, a rainha. A França não faz parte da Commonwealth e o Inglaterra deixou de ser membro da União Europeia. No entanto, a bandeira do Reino Unido foi suspensa no Palácio do Eliseu.

Emmanuel Macron fez em inglês a merecida homenagem a Elizabeth 2ª: "Sua sabedoria e sua empatia nos ajudaram a traçar uma via na história desses últimos 70 anos. Sua morte deixou um sentimento de vazio. A coragem de uma vida marcada pela guerra defendendo de um a outro século os valores que são a liberdade e a tenacidade. Um discurso raro, mas poderoso, e a dignidade inabalável fizeram dela um símbolo permanente do Reino Unido".

"Nenhum outro país teve o privilégio de recebê-la tão frequentemente quanto a França. Uma grande chefe de Estado, um exemplo único de devoção ao seu povo e uma aliada. Graças a ela, entre a França e o Reino Unido havia não apenas um 'entendimento cordial', e sim uma parceria leal, sincera e calorosa. Para os ingleses ela era a sua rainha. Para nós, ela era a rainha. Comemoramos e perpetuaremos os valores que ela não cessou de encarnar e promover: a força moral da democracia e da liberdade. A rainha nos fará uma profunda falta."

A quem ela não fará falta nesse mundo de hoje, que se confronta com a guerra e a ascensão de valores antidemocráticos? Macron falou pelos franceses e pelos outros cujos valores a vida da rainha Elizabeth celebrava.

Mas não foi por uma razão de Estado que a morte dela me tocou e eu me perguntei por quê. Me ocorreu primeiro que o nome dela foi o que minha mãe escolheu para mim –como muitas outras mães da mesma geração. A rainha foi um ícone para nossas mães e também por elas eu estou de luto. Sim, pelas que já se foram, as que viam nela o símbolo de uma grande mulher.

Há uma segunda razão pela qual a morte me tocou. A rainha da qual nós nos despedimos era a segunda Elizabeth, e a primeira foi solar. Vingou a decapitação da mãe, Ana Bolena, segunda mulher de Henrique 8º, acusada de adultério e decapitada —para que o rei pudesse se casar de novo e ter um filho homem, ou seja, "um verdadeiro sucessor".
A fim de evitar a instabilidade política, Elizabeth 1ª recusou o casamento, razão pela qual foi chamada de Rainha Virgem. Casou-se com o seu reino e se dirigia às pessoas do povo, chamando-as de maridos. À sua maneira, no seu tempo, ela foi uma feminista.

O reino de Elizabeth 1ª ficou conhecido como a era elizabetana pelo apoio ao teatro, particularmente o de Shakespeare, cujas peças eram mais apresentadas na sua corte do que as de qualquer outro. Porque, como diz Harold Bloom, o crítico literário mais conhecido do mundo anglófono, "Shakespeare inventou o humano". Inventou expressando os nossos dramas subjetivos como nunca antes.

Também a Elizabeth 1ª nós devemos a consagração desse dramaturgo cujos textos permanecem vivos até os nossos dias. O "to be or not to be" proferido por Hamlet foi alegremente devorado no Brasil pelos modernistas e se transformou no "tupi or not tupi" do "Manifesto Antropófago" de Oswald de Andrade.

No seu primeiro discurso, Elizabeth 1ª manifestou o desejo de deixar um consolo para os que viessem depois. Foi o que Elizabeth 2ª, na trilha da sua grande antecessora do século 16, desejou. Daí a tristeza que a desaparição dela causa.

Não está mais entre os vivos e, no entanto, está. Sempre imaginei —talvez por ter o nome dela— que Elizabeth 2ª era imortal. Agora, sou obrigada a reconhecer que me enganei. Queira ou não, o tempo passa para todos.




Publicado no jornal Folha de S. Paulo, 10 de setembro de 2022.



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