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SINAIS DE ATRASO
Acadêmico: José Renato Nalini
Um dos sintomas bem expressivos do atraso em que o Brasil se encontra, no cotejo com outras nações civilizadas, é o volume de lixo produzido e a existência de “lixões”.

Sinais de atraso

Um dos sintomas bem expressivos do atraso em que o Brasil se encontra, no cotejo com outras nações civilizadas, é o volume de lixo produzido e a existência de “lixões”. Evidência de que ainda nos encontramos no limiar do desenvolvimento.

Não faltam leis. O chamado novo Marco Legal do Saneamento Básico prevê destinação adequada do que chamamos, eufemisticamente, de “resíduos sólidos”. Há quase dois mil lixões distribuídos pelos quase seis mil municípios brasileiros, entidades da Federação por força da opção do constituinte de 1988.

O Brasil é pródigo em produzir leis, o faz com abundância e requinte nos detalhes. Só que é perito em descumpri-las. Não observa sequer o artigo 225 da Constituição da República, o que foi bem examinado pela ministra Carmen Lúcia no primoroso voto da chamada “Pauta verde” do STF.

A propósito, os “desenvolvimentistas” consideram exagerada a intervenção do STF nas políticas públicas. Como se o regime democrático não fosse exatamente esse, o dos “freios e contrapesos”. Quando um dos poderes se excede, o freio tem de ser correspondente ao abuso. É isso o que o Supremo está a fazer, pois o descalabro no trato ambiental tem como vítimas não apenas os viventes, mas as gerações do porvir. Se é que existirá porvir, dado o ritmo da destruição em marcha, depois que os infratores ouviram e obedeceram ao brado “solta a boiada”.

Tudo vai desaguar na falta de educação de qualidade. Povo educado não viveria confortavelmente com a sujeira que inunda praticamente todos os espaços. Sujeira produzida por esse mesmo povo, ignorante da prática de uma higiene cidadã. A cidade é de todos. Quando imunda, essa imundície recai sobre todos. É impossível pensar-se em território insuscetível de sofrer os efeitos de um descarte leviano de tudo aquilo que não se usa mais, se a prática é a de jogar tudo na rua. Quantos veículos do ano, marcas dispendiosas, são ocupados por passageiros desprovidos de senso mínimo de responsabilidade cívica. Arremessam pelas janelas garrafas pet, invólucros de salgadinhos, papeis, latinhas, tudo o que deveria ser destinado à reciclagem.

Na civilização existe a prática da logística reversa e da economia circular. Rico não desperdiça. Ao menos o rico educado. Pois há ricos igualmente irresponsáveis, acostumados a dispensar o que sobra e a argumentar que “paga imposto exatamente para que um funcionário público se encarregue da coleta”.

Não há inocentes nessa verdadeira tragédia. Tragédia sim, pois quando as ruas estão sujas, as chamadas “bocas de lobo” levam a sujeira para os cursos d’água, todos poluídos e enterrados. Foram sepultados para fornecer pistas asfálticas para os carros. Vão para os rios, aqueles mesmos dos quais extraímos água pútrida, que vai se submetida a complexo tratamento químico, para nos servir. Com essa água tomamos banho, fazemos nossa alimentação. E a maioria da população sacia a sua sede com essa água tratada. Mas que chegou bem suja às estações de tratamento.

Os prefeitos também não fazem a sua parte. Não editam a “ecotaxa”, que seria a remuneração para o tratamento dessa questão que começa com a má educação – ou falta completa dela – e que vai onerar os combalidos cofres públicos. Verba empregada na coleta de lixo e no trato de “lixões” é recurso extraído da escola, da saúde, da moradia, do transporte e de outras necessidades.

Vou além. Com o número de desempregados de que o Brasil dispõe, seria conveniente que eles fossem admitidos para a coleta dos resíduos e, simultaneamente, para impor multas – sanções pecuniárias – aos que deixam sinais visíveis de sua falta de educação nos logradouros públicos.

É mediante cobrança de multas que se educa uma população. Até que ela aprenda que não desperdiçar é muito mais conveniente, econômico, inteligente e civilizado. Tudo tem valor. Por incrível que pareça, o lixo dos países pobres é o mais rico. Joga-se tudo fora. Descarta-se. Basta verificar que é comum desperdiçar comida. Não aproveitar para reciclagem o que daria lucro e retorno a uma economia combalida e saqueada por orçamentos secretos e Fundos Eleitorais e Partidários milionários.

Para sinais de atraso tão eloquentes, multas substituem tabuadas. A velha história de que o bolso é o órgão mais sensível dos humanos. O treino fará com que, aos poucos, as novas gerações evoluam e vejam a limpeza como índice civilizatório, além de ser saudável, agradável e perfeitamente possível.

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Opinião/Estadão
Em 20 04 2022



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