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JÁ NEM ASSUSTAM MAIS…
Acadêmico: José Renato Nalini
O aterrador, o que assusta mesmo, é que os descalabros já não assustam mais. A sociedade parece anestesiada.

Já nem assustam mais…

O aterrador, o que assusta mesmo, é que os descalabros já não assustam mais. A sociedade parece anestesiada. Mais atenta à performance de cantora brasileira que, interpretando em espanhol música que convida ao orgasmo, não se interessa pela entrega da educação a “homens da fé”, que cobram propina para distribuir recursos do povo e até para levar o titular da educação a municípios viciados na “tática das homenagens”. Nada como receber alguém provido de um cargo para prestar continência, reverenciar e mostrar vassalagem.

Como compreender que a educação, única chave para salvar o Brasil, seja convertida em manobra eleiçoeira? Um Brasil que já teve Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo e Paulo Freire, patina hoje no obscurantismo. A educação não é responsabilidade exclusiva do Estado. Por sinal, é muito importante para ser relegada a um Estado tomado por políticos profissionais cujo único intuito é eternizarem-se no poder, elaborar orçamentos secretos, nutrir polpudos Fundos Eleitorais e Partidários, pensar em eleição e naquilo que chamo de “matriz da pestilência”: a reeleição.

Não é falta de verba. Ao contrário, o excesso de recursos fez com que em tempos idos se pensasse em “bônus”, uma forma de não incidir na falta de comprometimento orçamentário na escola. Pesquisas levadas a efeito no planeta todo mostram que o investimento brasileiro em educação é compatível com o dos países civilizados. Só que nestes, os educandos sabem ler, sabem escrever, entendem o que leem e o que escrevem. Não titubeiam diante de operações aritméticas elementares, têm noção do que a ciência representa e o quão imprescindível ela é para acompanhar a Quarta Revolução Industrial.

Como foi que a religião, tão essencial para serenar a angústia humana diante da inevitabilidade da morte, deixou de ser lenitivo espiritual para ser negócio? Nunca acompanhei as críticas à amplitude constitucional para a liberdade de crença, que em lugar de servir para tornar a convivência mais fraterna, incitou os ávidos por dinheiro a criarem suas seitas. Amparados pela imunidade tributária, que inclui espaço inexistente em outras Democracias. Criar uma Igreja, no Brasil, é um caminho para a prosperidade. Negócio envolvido com uma aura de respeitabilidade, insuscetível de críticas.

Agora compreendo o motivo pelo qual várias confissões abominam o jogo. Seria uma espécie de concorrência para o dízimo, religiosamente cobrado e religiosamente pago pelos fiéis mais leais ao credo que abraçaram.

Poucas pessoas prestam atenção ao tratamento que o constituinte, em nome do povo, conferiu à educação. O artigo 205 da Constituição da República erige a educação em “direito de todos”. Em qualquer idade, em qualquer fase da vida, sob quaisquer condições, todos – absolutamente todos – têm direito a uma educação de qualidade. Só que esse “direito de todos” é dever do Estado e da família, em colaboração com a sociedade.

O que a família brasileira está fazendo pela educação? Abstraia-se o fato de seus integrantes já serem resultado desse processo de embotamento do intelecto que é a escola estatal no Brasil. Um adestramento para a “decoreba”. Uma fábrica de abolir o pensamento e a capacidade crítica.

Mas há uma parcela da família dita esclarecida, pois escolarizada. Aquela situada nos estamentos mais privilegiados, os ricos, os capazes de discernir. Espantosamente, são estes que legitimam o atual esquema do trato escolar do governo que, amparado sob discutíveis argumentos de moralidade, baseados em costumes e ideologias, impede que o conhecimento seja objeto de consumo da massa dos educandos.

O Brasil sempre patinou na educação, a partir de uma República nascida de um golpe que vilipendiou um estadista patriota e culto, Pedro II. Mas contou com educadores de renome. Aliás, mais respeitados nos outros países, pois aqui alvo de perseguição post-mortem. Parece existir predeterminação a sacrificar o aprendizado, propiciando um ensino sofrível e ineficiente, pois uma população esclarecida não pode compactuar com desvarios delirantes como os que se assistem hoje.

Orgulhoso do troféu “Pária ambiental”, o Brasil se candidata à posição de “Pária educacional”, no campeonato dos retrocessos em que mergulhou e do qual são tímidas as perspectivas de sair.

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Opinião/Estadão
Em 11 04 2022



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