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AS MÁSCARAS
Acadêmico: José Renato Nalini
Justo mencionar “As Máscaras”, o gatilho que depois resultou na Semana, nos dias em que abolimos as máscaras da pandemia.

As máscaras

Quando se abandonam as máscaras que tivemos de usar durante dois longos anos, muita coisa vem à mente. Já li que elas cairão no ostracismo e nem serão usadas no Carnaval de abril. Pessoalmente, senti a dificuldade de uso simultâneo de máscara e óculos. Estes embaciam e fica-se na dúvida: enxergar ou se contaminar?

Mas estou pensando em “As Máscaras” de Menotti Del Picchia, que resultam de um ímpeto de gratidão. Ele narra em suas memórias, “A Longa Viagem”, que um dos artigos mais importantes escritos sobre o seu “Juca Mulato” foi de Júlio Dantas, publicado em Lisboa. O poeta da “Ceia dos Cardeais”, com sua crítica generosa, comoveu Menotti. Ele quis escrever algo em homenagem a Júlio Dantas. Numa das noites de folia na praia, fizeram uma aposta, Martins Fontes e ele, que escreveriam sobre as festas de Momo. Embora inspirado no Carnaval em Santos, o poema foi escrito em São Paulo, no hotel que ele habitava à rua Líbero Badaró. Trancou-se no quarto e era abastecido por charutos fornecidos por seu amigo Armando Pamplona. Ao fim de três dias, terminou sua obra. Leu-a e foram ambos a Santos, mostrá-la a Martins Fontes. O poeta do mar também havia escrito “Arlequinada”, para honrar a aposta.

Em 9 de janeiro de 1921, os intelectuais paulistas que já fermentavam o movimento modernista que iria ser deflagrado em fevereiro do ano seguinte, promoveram um banquete em homenagem a Menotti, exatamente pela publicação de “As Máscaras”.

Nessa ocasião, Victor Brecheret fora incumbido de esculpir a máscara de Menotti, que lhe foi entregue durante o almoço no Trianon. Foi então que Oswald de Andrade fez o discurso que foi considerado o “grito de renovação”. A festa foi considerada o ponto de partida para a combustão do entusiasmo de uma juventude desassossegada dos anos 20.

Uma oração datada, exatamente conforme ocorria à época e que ainda às vezes sobrevive no foro, com narrativa do próprio homenageado, Menotti Del Picchia: nesse discurso, Oswald “adverte, referindo-se ao envolvimento carinhoso que me fazia a maioria dos presentes – políticos, gente das finanças, jornalistas, poetas e escritores da velha guarda, enfim, um desarmado e pacífico mundo passadista – que eu “pertencia ao restrito bando dos formalistas negados e negadores” que, ali infiltrados sorrateiramente, comparecia para, “fazendo soar uma tecla diferente em meio àquelas aclamações”, declarar: “Tu és nosso, junto à bandeira que consagramos. A ti entregamos a máscula insígnia das responsabilidades que te esperam”.

Menotti agradeceu de improviso. Mas não exauriu tudo o que gostaria de dizer. Por isso, publicou no “Correio Paulistano” depois de alguns dias, o artigo “Na maré das reformas”, que especificou a programática do movimento vindo a constituir, com o discurso de Oswald, o “Manifesto do Trianon”. Daí derivaria a “Revolução sem sangue” que foi a Semana de Arte Moderna de 1922.

Sua proposta, em suma, era: a) o rompimento com o passado, ou seja, a repulsa às concepções românticas, parnasianas e realistas; b) a independência mental brasileira através do abandono das sugestões europeias, mormente lusitanas e gaulesas; c) uma nova técnica para a representação da vida de que os processos antigos e conhecidos não apreendem mais os problemas contemporâneos; d) outra expressão verbal para a criação literária que não é mais mera transcrição naturalista mas recriação artística, transposição para o plano da arte de uma realidade vital; e e), por fim, reação ao status quo, quer dizer, combate a favor dos postulados que apresentava como objetivo da desejada reforma.

Por Oswald e por Menotti já se proclamara em 1921 a Revolução que mudou o Brasil, queiram ou não seus detratores. Não foi uma construção artificial da USP, a Universidade de São Paulo. Na verdade, a USP apenas sistematizou os estudos a respeito da Semana, que é revisitada e oferece material de reflexão depois de um século e que continuará a suscitar teses, dissertações, ensaios e eventos enquanto houver humanidade pensante.

A seguir, a História registra a explosão de novos marcos modernistas: “A Pauliceia Desvairada”, que Mário de Andrade não inclui, por modéstia, junto a outras obras, mas profetiza o que celebramos em 2022: “Bem poderíamos, em 2022, celebrar com elas o Primeiro Centenário de nossa independência literária”. Comemoramos e continuaremos a comemorar. Era justo mencionar “As Máscaras”, o gatilho que depois resultou na Semana, nos dias em que abolimos as máscaras da pandemia.

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Opinião/Estadão
Em 02 04 2022



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