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BRECHERET VILIPENDIADO
Acadêmico: Betty Milan
"A hora é da semana de arte moderna. Cem anos se passaram e a data é evocada no jornal, no rádio e na televisão.. Tarsila do Amaral, Mário de Andrade e Oswald de Andrade são grandes referências."

A hora é da semana de arte moderna. Cem anos se passaram e a data é evocada no jornal, no rádio e na televisão.. Tarsila do Amaral, Mário de Andrade e Oswald de Andrade são grandes referências. Muitos outros fizeram parte do movimento modernista, que começou antes da semana e continuou depois. Entre eles, Victor Brecheret, cujo ,fauno, esculpido em granito e bronze, foi encomendado pelo prefeito Prestes Maia, para decorar o jardim da Biblioteca Municipal, e hoje se encontra no jardim do Trianon. Os padres, que usavam o espaço da Biblioteca para ler o breviário, não suportavam conviver com a representação de Pã – divindade grega meio-homem meio-bode conhecida pelo apetite sexual. Decerto foi a mão de Deus que levou o fauno para o jardim próximo da minha casa, onde eu pude admirar incansavelmente a escultura de Brecheret.

Tendo sido eleita para a Academia Paulista de Letras, compareci a uma primeira reunião em dezembro de 2020. Naquele dia, chovia e eu fiquei na porta à espera de um táxi. Fui surpreendida por uma escultura que eu não tinha visto no largo, em frente da Academia. Tratava-se de um nu feminino que primeiro me fez pensar em Maillol, para cujas estátuas existe uma área especial no Jardin des Tuileries. Mas o nu em questão não era de Maillol e eu recorri ao porteiro para saber se era de Brecheret.

–De quem é aquela estátua ?

–Brecheret, dona.

–Não acredito!

–Mas é dele, sim. Só que as pessoas do largo urinam em cima dela.

Ainda que a estátua resistisse à urina – as mulheres são resilientes –, era insuportável, uma infâmia. Pedi a Renato Nalini, o presidente da Academia, que enviasse um ofício solicitando às autoridades competentes que a estátua fosse removida do jardim e guardada – ainda que provisoriamente – no belo saguão da Academia, cujo projeto, bem como o da Biblioteca Municipal, é do arquiteto Jacques Pilon.

O ofício foi escrito e enviado à Prefeitura de São Paulo bem e à Secretaria da Cultura. A parte do texto que diz respeito à obra segue logo abaixo.

« Em 1932, o escultor Victor Brecheret entregou à cidade de São Paulo a sua icônica obra “Depois do Banho”, que foi instalada no Largo do Arouche, bem defronte à sede da ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS.

A deterioração daquele tradicional espaço paulistano já causou a destruição do “Jardim dos Escritores” e ora põe em risco a incolumidade da famosa estátua, um dos únicos nus artísticos da capital. Recentemente, ela surgiu pichada por vândalos que fazem do Arouche um lugar perigoso e depauperado.

A ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS se permite solicitar de Vossa Excelência as medidas necessárias para a guarda e zelo desse patrimônio artístico-cultural, que não pode permanecer à mercê dos detratores dos poucos exemplares ainda existentes em São Paulo. Coloca-se à disposição, se for o caso, para abrigar a peça em seu saguão, Largo do Arouche, 312, até se encontre uma fórmula de mantê-la em condições compatíveis com sua relevância… »

Não é possível celebrar o centenário da semana de arte moderna e deixar a estátua de Brecheret , que representa o corpo feminino, se degradar. A transferência da obra « Depois do Banho » será a maior homenagem ao movimento modernista, que o Brasil celebra e o mundo também, acolhendo nos seus museus a obra de Tarsila do Amaral.



Publicado no jornal Folha de S. Paulo, 12 de fevereiro de 2022.



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