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SÃO PAULO TEM O QUE CELEBRAR
Acadêmico: José Renato Nalini
Sou leitor e admirador de Ruy Castro. Mas não concordo com ele, quando critica a Semana de Arte Moderna de 1922, como se fora algo menor e que só cresceu por causa do ufanismo da USP.

São Paulo tem o que celebrar

Sou leitor e admirador de Ruy Castro. Mas não concordo com ele, quando critica a Semana de Arte Moderna de 1922, como se fora algo menor e que só cresceu por causa do ufanismo da USP.

Reconheço que o Rio de Janeiro, capital da colônia, capital do Império e capital da República, tinha por si todos os orçamentos. Até hoje, o Rio é o oásis do funcionalismo público. Durante quanto tempo ali funcionaram Câmara dos Deputados, Senado Federal, Supremo Tribunal, Tribunal de Contas? Ali estavam todas as embaixadas, um respiradouro oxigenador da realidade tupiniquim. O clero mais esclarecido. Ali fundou-se, em 1897, a Academia Brasileira de Letras, inspirada na Academia Francesa.

Já São Paulo, havia sido postergada continuamente. Sequer fora aceita como sede de uma das Escolas de Direito criadas em 1827 por Pedro I, que pretendia uma burocracia autóctone, liberada da influência tradicional de Coimbra. Dizia-se que São Paulo falava um mau português. Era a terra dos “comedores de formiga”.

Não fora a autoridade afetiva da Marquesa de Santos sobre o jovem Imperador e talvez a USP fosse URJ. Por isso, a Semana de Arte Moderna de 1922 foi um grito bandeirante para que São Paulo assumisse uma liderança na cultura brasileira, seja na literatura, nas artes plásticas, na música, no teatro, em tudo aquilo que significasse liberdade em relação aos cânones europeus.

Menotti Del Picchia, o festejado autor de “Juca Mulato”, um genuíno herói brasileiro, conta como surgiu a ideia da Semana de Arte Moderna: “Durante certo almoço, no hotel Migliore, onde me hospedava, na rua Líbero Badaró, apareceu Oswald de Andrade, Havíamo-nos desavido quando publiquei o “Moisés”. Eu, nessa ocasião, estudante de direito, não conhecia pessoalmente Oswald. Acompanhava, porém, suas primeiras andanças literárias nas páginas de “O Pirralho” e no noticiário dos jornais que o integravam no gruo parnasiano de Emilio de Menezes. Esse encontro foi decisivo para nossa vida literária. Marcou o início do movimento do qual resultou a “Semana de Arte Moderna” de 1922”.

E continua: “Oswald era um extrovertido despachado. Gordo, aloirado, olhos nos quais eu sempre via uma névoa de sonho. Tinha a faculdade quase mágica de fascinar qualquer pessoa logo no primeiro encontro. Sentou-se junto de minha mesa e disse: – Vim procurar você porque Dasy gostou do “Juca Mulato”. Eu também. Queria que você visse Dasy, ela é escritora e quer conhecer você. Fiquei sabendo que naquela época, Oswald de Andrade, que era um romântico passional, depois de uma ruidosa aventura com a bailarina Carmen Lídia e de ter desfeito um casamento do qual tivera um filho – meu amigo Oswald de Andrade Filho, jornalista e pintor – apaixonara-se por Dasy, filha de humildes ferroviários. Conversamos sobre literatura e não tocamos no incidente do “Moisés”. Agradeci o carinho que manifestava pelo meu poema sobre o qual, depois, tantas coisas escreveu e lhe disse: – “Precisamos processar uma revisão geral deste instante literário. Somos um eco da Europa e esquecemos que estamos no Brasil. O “Juca” se propôs ser um protesto contra passividade e extroversão. É necessário fazer nas letras uma verdadeira revolução. Precisamos ser brasileiros e não europeus”.


Menotti prossegue: “Oswald exultou. Tocara na sua tecla mais viva porquanto aquele admirador tão excitado de Bilac e de Emilio de Menezes era de explosiva essência revolucionária. O tema empolgou-o. exaltou-se. Desse encontro – para ambos decisivo – resultou um pacto: unirmo-nos para iniciar essa revisão. Semanas depois, Oswald, afobado, procurou-me na redação do “Correio Paulistano” para me anunciar sua grande descoberta: – Você vai ver, Menotti, o homem é um colosso… Fomos. Na rua Líbero Badaró subimos uma longa e quase perpendicular escada de desmantelado prédio, que nos largou na redação da revista “O Eco”, propriedade da Casa Edison, a que espalhou pelo Brasil a foz arranhada e anasalada dos primeiros discos de gramofone. Lá, largado numa poltrona, encontramos um grande moço magro, de longas pernas de gafanhoto, testa larga, queixo prognata, nariz longo e curvo, já com um início de calvície na frente aberta na cabeça oblonga tal qual uma praça cheia de sol. Pouco depois Segall faria dele o melhor retrato reproduzindo o Mário que então conheci. – Este é Mário de Andrade!”.

O trio estava formado. Dele nasceu a Semana que estamos celebrando com enorme orgulho. Sem rivalidade com o Rio, pleno de benesses, pois o poder as distribui à larga. São Paulo, sem ser a capital federal, seria a capital da cultura. Como é até hoje.

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Opinião/Estadão
Em 09 02 2022



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