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UMA IGREJA QUE ESCUTA
Acadêmico: José Renato Nalini
Alguns reflexos de Francisco têm a coragem de se manifestar neste Brasil tão desorientado, como a voz do Cardeal de Aparecida, que proclamou em sua homilia: “Prefiro uma Pátria Amada a uma Pátria armada!”.

Uma Igreja que escuta

Regozijo-me com o Papa Francisco, de quem sou admirador, diante da convocação sinodal que será antecedida por vasta consulta aos fiéis católicos. Sei que o dogmatismo inflexível dos fanáticos dirá que ele é comunista. Como o próprio Cristo seria taxado de comunista se viesse com sua pregação em favor dos oprimidos, dos humilhados, das prostitutas, dos marginalizados.

Francisco enfrenta fogo amigo cruel, como só podem ser aqueles que se consideram mais católicos do que o Sumo Pontífice. Invocando raízes criadas pelos homens que foram subvertendo a mensagem dos Evangelhos e se esqueceram do que significa ser católico, eles concluirão que o Papa se afasta da tradição eclesial.

Todavia, é um Pastor que vê o que acontece no mundo. Como responder à França, que já foi a nação mais católica do planeta e que já sediou o Papado em Avignon, agora alarmada com a terrível notícia de que sacerdotes abusaram de cerca de duzentas mil crianças durante setenta anos?

É o momento de a Igreja Católica repensar o celibato sacerdotal. Se for uma opção do padre, então se reconheça o sacrifício da castidade, em prol do pleno devotamento à causa da conversão dos semelhantes. Mas algo imposto não funciona. A Igreja passa a ser refúgio de seres em conflito com sua sexualidade e, como “a carne é fraca”, o mergulho no pecado é recorrente.

O Papa Francisco pode ser aquele que enxerga melhor do que tantos outros e capaz de reconduzir a nave ao seu princípio. Quando os cristãos começaram a se reunir para seguir os ensinamentos de Jesus, eram tão solidários e coesos entre si, que os pagãos diziam: “Vede como se amam!”. Isso não existe mais em nossos dias.

Tenho assistido, com verdadeiro estupor, uma política rasteira a tentar destruir obras religiosas construídas com abnegação por pessoas predestinadas a mudar a face da Terra. É de assustar verificar que a incompetência quer punir a competência e assumir iniciativas exitosas, para as quais os incompetentes nada fizeram, acusando os bem sucedidos de se afastarem das regras religiosas.

Não é um caso apenas. São vários. Isso em nada contribui para que o rebanho volte ao redil e siga um só Pastor. Por esse motivo é que proliferam outras confissões, cujos integrantes têm menos regramentos sofisticados e mais convívio verdadeiramente fraterno.

O Papa Francisco tem sido muito coerente em sua condução da Igreja de Cristo, preocupando-se com o maior perigo que a humanidade sofre e que é o aquecimento global, causador das mudanças climáticas, fenômeno capaz de extinguir a aventura humana sobre o planeta.

Não é fácil administrar a Sé Apostólica, prenhe de políticos que, por serem ordenados, não deixam de ser humanos. Têm a falibilidade e a tendência inevitável a contínuas quedas, resultantes do egoísmo, da vaidade, da arrogância, da insensibilidade. Ainda assim, sua postura é de um verdadeiro propagador da verdade evangélica. Embora seja erudito, prefere a singeleza. Característica do Cristo, que passou a ser interpretado por mentes labirínticas, afeiçoadas ao mais absoluto regramento, que deixa de lado a síntese do catolicismo: “Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo”.

Será que é expressão do “amor ao semelhante como a si mesmo”, a condenação inexorável de quem perfilhe outras trilhas, que não as do catecismo reelaborado através dos séculos? Se Jesus voltasse hoje, com quem ele conviveria? Escolheria os potentados, os ilustres cultores da mais sofisticada doutrina, ou continuaria a procurar os invisíveis, os moradores de rua, os que não têm por si a atenção do Poder Público? O que acharia de uma Pátria que vê seus filhos disputarem ossos num caminhão que os transportava no Rio de Janeiro, rumo à fabricação de fertilizantes e que pensa mais em eleições e reeleições do que em gerar emprego para quase quinze milhões de brasileiros sem trabalho e, portanto, sem sustento.

Alguns reflexos de Francisco têm a coragem de se manifestar neste Brasil tão desorientado, como a voz do Cardeal de Aparecida, que proclamou em sua homilia: “Prefiro uma Pátria Amada a uma Pátria armada!”. É vergonhoso investir em armamento, ferramenta fabricada para matar, enquanto o povo passa fome.

Que a Cristandade faça renascer o verdadeiro espírito do Salvador, rumo à edificação de uma Pátria Justa, fraterna e solidária, conforme prometido pelo constituinte em outubro de 1988. A Constituição do Brasil fez trinta e três anos. A recordar a idade de Cristo. Mais ainda, a sua paixão e sua crucifixão. O Brasil tem tudo a lembrar o flagelo, a cruz a sangrar os ombros, a coroa de espinhos e os pregos que sacrificaram o Filho de Deus. Que esse verdadeiro Calvário sinalize também uma tão esperada ressurreição. Ressurreição da esperança, da fraternidade, do mínimo existencial garantido a todos. Sem exceção.


Publicado no Blog do Fausto Macedo/Opinião/Estadão
Em 21.10.2021



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