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UM ANO SEM PAULO BONAVIDES
Acadêmico: José Renato Nalini
Deixava a seara dos viventes em 30.10.2020, o constitucionalista Paulo Bonavides. Uma das vozes mais abalizadas no exame e diagnóstico da situação brasileira, à luz de um Estado de Direito de índole democrática, submetido a uma Constituição Escrita que acaba de completar a idade de Cristo: trinta e três anos.

Um ano sem Paulo Bonavides

Deixava a seara dos viventes em 30.10.2020, o constitucionalista Paulo Bonavides. Uma das vozes mais abalizadas no exame e diagnóstico da situação brasileira, à luz de um Estado de Direito de índole democrática, submetido a uma Constituição Escrita que acaba de completar a idade de Cristo: trinta e três anos.

O paraibano de Patos que foi Catedrático de Direito Constitucional da Universidade Federal do Ceará foi um homem de coragem. Não hesitou em apontar mazelas, ofertou alternativas hábeis a conformar a vida brasileira aos ideais democráticos dos quais muitas vezes se afastou.

Comungo com ele a convicção de que a Democracia Representativa está em evidente declínio. Na sua visão, “a velha democracia representativa das elites do privilégio se encarna, de último, em forças e correntes sociais minguantes, cujo ocaso apenas não percebe nem enxerga quem perdeu já a visão dos sucessos, dos fatos, da realidade circundante; quem não divisa a rebelião de consciência nas profundezas ocultas das sociedades periféricas, dos povos que já se desenganaram das virtudes de uma democracia representativa para a qual não existe e precisa de ser afastada da linha de seu horizonte político, porquanto tem significado o embuste de promessas descumpridas e reiteradas falsidades”.

Nunca deixou de vergastar o comportamento político afastado da ética, algo que se tornou tão corriqueiro no Brasil, que muitos jovens, sem a escola do bom exemplo, chegam a ridicularizar conceitos como probidade, brio, hombridade, compostura, retidão e comedimento.

Consequência do “caduco sistema de intermediação, cujo modelo gerou o mandato representativo (e que) se acha assim fadado à falência e à morte por quebrantamento dos cânones éticos, pela desmoralização de seus quadros, por erros e ofensas perpetrados contra o povo e a nação. Com os dias contados, breve ficará ele tão obsoleto quanto o direito divino dos monarcas do absolutismo. A História é o tempo que não retrograda. As formas representativas clássicas vão perecer. O advento da democracia participativa há de selar-lhes o jazigo”.

O que diria hoje nosso Mestre Paulo Bonavides, ao verificar que a política partidária está mais atuante do que nunca, empenhada em normatizar os pleitos para garantir a continuidade, ávida por mais recursos recolhidos aos Fundos Partidário e Eleitoral? O fisiologismo impera e nada prenuncia sua desaparição.

Reafirmaria hoje que “vivemos a marcha inexorável de um percurso histórico de ideias que regem a evolução das formas políticas rumo ao princípio da legitimidade?”

Para o advento da Democracia Participativa, aceno do constituinte de 1988 que não passa de miragem, seria necessário que o Brasil enfrentasse a dura realidade de uma educação capenga. Uma escola que ainda acredita em aula prelecional, com o professor considerado detentor de todo o conhecimento, que transmitirá ao alunado desprovido de qualquer saber, é algo que – para o Primeiro Mundo – e até para os nichos de excelência que vicejam para os mais afortunados, pertence à arqueologia pedagógica.

A pandemia acarretou o aprofundamento do fosso que separa incluídos e excluídos. Estes não têm conectividade, não têm estrutura familiar apta a solucionar suas dúvidas, não dispõem de equipamentos eletrônicos de qualidade. Aqueles, que já eram familiarizados com as mais modernas tecnologias, nadaram de braçada nesse período.

O Estado brasileiro negligenciou a educação, notadamente quanto às competências socioemocionais e só se preocupa com o adestramento do educando, para que ele decore e repita o que decorou nas avaliações periódicas. Estas servem para o ranking propiciador de bons resultados nas eleições.

Paulo Bonavides precisaria ter vivido um pouco mais, para castigar com sua verve os melancólicos tempos presentes, de inação estatal na educação, no desmanche de estruturas sólidas, no desestímulo da pesquisa, na perseguição à cultura, na disseminação das inverdades.

Quando surgirá “a força de uma nova cidadania em gestação, que breve há de nascer, externa às alienações políticas e sociais do sistema representativo”? Bonavides acreditava que “com ela nascerá também o cidadão da democracia participativa”. Por enquanto, um belo sonho. Seria concretizável, se cada um de nós se imbuísse da responsabilidade constitucional por oferecer a todos – sim, a todos – uma educação de excelência. Sem isso, seremos condenados a patinar na mediocridade e a assistir aos estertores de uma democracia representativa que não quer morrer, muito menos ceder seu espaço para a democracia participativa.

Saudades imensas de Paulo Bonavides!

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Opinião/Estadão
Em 05.10.2021




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