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COMO NASCE O POPULISMO?
Acadêmico: José Pastore
A desigualdade em si não induz o populismo

A descida na estrutura de classes sociais causa frustração e desilusão. Quando isso ocorre, acentua-se a desigualdade entre as pessoas e aflora o encantamento pelos líderes populistas. A desigualdade em si não induz o populismo. Este prospera quando as desigualdades são vistas como injustas por favorecerem gratificações que não decorrem da contribuição efetiva das pessoas (Eric S. M. Protzer, “Social mobility explains populism, not inequality or culture”, Harvard Kennedy School, Working Paper 118, 2021).
Esse sentimento provoca a busca de líderes que condenam a injustiça e oferecem remédios mágicos para instalar a justiça. Os políticos populistas defendem que as pessoas que descem na escala social deveriam ter obtido resultados econômicos merecidos. Com isso, manipulam o desencanto, as frustrações e o sentimento de injustiça.
O sentimento de injustiça mina a democracia porque solapa a cooperação e a solidariedade. Para conquistar as simpatias dos eleitores, os políticos populistas são, geralmente, antielitistas, antipluralistas, autoritários, xenófobos e imediatistas. Eles oferecem benefícios de curto prazo sem se importar com as consequências de longo prazo.
Nos Estados Unidos, a crise de 2008-09 provocou uma grave ruptura na estrutura social. Abruptamente, as pessoas perderam suas casas, suas poupanças e seus empregos, enquanto grupos da elite econômica, em especial, gerentes e diretores de bancos, se enriqueceram sem nenhuma contribuição pessoal. Muitas foram as famílias de classe média que desceram na pirâmide social. Daí o movimento 99 do “Occupy Wall Street”, em que a maioria perdedora passou a protestar contra a minoria que manteve suas posições gerando bônus e benefícios sem nenhuma contribuição.
Outro exemplo é o que decorre da destruição de empregos de classe média devido à adoção de tecnologias que substituem mão de obra e “empurram” a maioria para as classes mais baixas. É caso, por exemplo, de um gerente de almoxarifado de um grande supermercado (classe média) que é substituído por sistemas de inteligência artificial que fazem todos os seus trabalhos. Poucos conseguem se manter onde estão por falta de domínio de tecnologias sofisticadas. Para a maioria, resta dirigir um Uber, trabalhar como zelador ou como empacotador no comércio eletrônico. É o chamado efeito polarização das tecnologias. O resultado é uma redução da mobilidade social ascendente e um aumento da descendente e da desigualdade.
Nenhum político tem coragem de culpar as tecnologias. É um raciocínio muito complexo para campanhas eleitorais. Mas é inegável o seu impacto na redução da classe média em vários países onde aflorou o populismo. Esse foi o caso do voto ao Brexit na Inglaterra, em 2016, e da eleição de Donald Trump nos Estados Unidos no mesmo ano. Aos olhos dos que desceram na pirâmide social, a desigualdade foi muito injusta. Esse sentimento se agudizou pelo fato de as novas tecnologias terem sido adotadas sem se dar uma oportunidade de requalificação profissional aos membros da classe média.
A baixa mobilidade social instiga o aumento da simpatia por políticos populistas. Trump, em 2016, e também em 2020, teve muitos votos de eleitores que se sentiram injustiçados. O mesmo ocorreu com os eleitores de Marine Le Pen, na França, nas eleições presidenciais de 2012 e 2017. Nas duas campanhas, ela enfatizou a injustiça provocada pela casta política dos “eurocratas” da União Europeia encastelados em Bruxelas.
Jair Bolsonaro elegeu-se em 2018 ao combater as injustiças geradas pela corrupção de políticos e empresários, sem citar as tecnologias. Mas estas estão a todo vapor, no Brasil, e provocando a redução da classe média. É um campo fértil para se manipular os sentimentos de injustiça. Será que ele terá folego para inebriar os fãs do populismo em 2022?

Publicado no jornal Correio Braziliense, 2 de abril de 2021.




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