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ANIVERSÁRIO DA MINHA MÃE
Acadêmico: Gabriel Chalita
"Como minha mãe e meu pai, eu também vou. Vamos todos. A fé me acalma, mesmo sem nada saber, mesmo com as dúvidas que se revezam, mas que sempre existem."

Foi ontem, dia 13 de fevereiro. E, pela primeira vez, ela não estava. Seu sorriso, então, não estava. A não ser em mim. Em mim, ela prossegue, plena, como desde os inícios, que vivem em minha memória.

Eu não a tenho como gostaria. O seu colo é lembrança. Os seus dizeres, passado. Seu beijo, que evitava tantos males, reminiscência. 

Em um dos seus aniversários, depois da partida de meu pai, resolvi preparar a sua alegria. Disse que não conseguiria estar com ela e que comemoraríamos no final de semana. 

Comecei com uma cesta de café da manhã e um poema de amor. Depois, umas flores com algumas fotos nossas. Depois, um bolo enfeitado de gratidão, no almoço. No início da tarde, doces caseiros e mais flores e mais bilhetes. Depois, uns tocadores de música no entardecer. E depois, apareci, de surpresa,  para jantarmos e fecharmos o dia brindando o amor. A cada surpresa, ela me ligava e ria me chamando de maluco. Maluco por ela. 

Em um outro aniversário, eu dei de presente um livro que escrevi sobre sua vida: "Carta aberta para minha mãe". Festa linda. Ontem, revi as fotos. Chorei sozinho a orfandade. Eram tantos convidados. E ela, ao meu lado, vendo os autógrafos e os afagos: "Dona Anisse, como a senhora é linda!". 

Em seu último aniversário, ela estava no hospital. Foi o dia em que quase partiu. Estávamos lá para dar amor, família toda. Enfeitamos o quarto. E a vimos recobrando o sorriso. E ainda tivemos alguns meses juntos, antes de ela se tornar eterna. Quando fez 80 anos, olhamos para o futuro brincando dos 90. Que não vieram.

Se tenho alguma inveja na vida? De quem tem mãe. De quem tem o privilégio de olhar para o celular e receber uma chamada com o nome de "mãe" ou de "pai". Eu a atendia brincando, "mamãezinha", e desligava dizendo "te amo muito". Ela falava em saudade e me contava histórias. Às vezes, repetia a mesma história. Dava alguns conselhos. E ralhava com as minhas discordâncias.

Gostava das festas. Do convívio. Do passear pela vida. Teve ela vida dura. De muitas despedidas. A dor de uma mãe que enterra um filho é indizível. Ela enterrou dois. E prosseguiu. E foi avó. E bisavó. E distribuidora de amor.
 
Sonho com ela sonhos bonitos. Há pouco tempo, estávamos na praia, e ela boiava e eu acariciava seus cabelos dizendo que era preciso voltar, sair da água, que havia muita gente esperando. E ela respondeu com um sorriso ainda mais lindo: "Vou ficar, meu filho, está tão bom aqui". Fiquei um pouco mais tocando sua felicidade plena e, depois, acordei.

Os acordes do dia ora afinam, ora desafinam. Ora rimos, ora choramos. Ora nos fortalecemos de futuro, ora desejamos o passado. A tristeza já não me surpreende como antes. Me lapida. Me ajuda a tirar fora as partes que me desfiguram. Sem os enfeites, tenho saudade de ser quem sou e me esforço o quanto posso para me lembrar do que faço por aqui.

Como minha mãe e meu pai, eu também vou. Vamos todos. A fé me acalma, mesmo sem nada saber, mesmo com as dúvidas que se revezam, mas que sempre existem.

Antes de terminar o dia do seu aniversário, falei com ela. Sozinho. Agradeci pelo sonho, pelos sonhos. Um sonho de mãe que plantou, em mim, todos os sonhos do mundo.

Feliz aniversário, mamãezinha.

Publicado no jornal O Dia RJ, 14 de fevereiro de 2021.




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