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A VIAGEM DE ANNA MARIA
Acadêmico: José de Souza Martins
"...Mais de uma vez, Anna Maria me contou episódios de suas viagens de Santos para a fazenda da família no interior de São Paulo, O trem deixou marcas fortes em suas lembranças, os detalhes, as baldeações, as conversas. Como eu, Anna Maria tinha saudade do trem e do que ele significou para a nossa geração."

Já nos primeiros meses após minha eleição para a Cadeira nº 22 da Academia Paulista de Letras e de minha frequência ao Clube de Leitura, em 2015, dei-me conta de que Anna Maria Martins dependia de táxi para voltar para casa. Como também dependo de táxi, acabei convencendo-a aceitar minha carona, pois seu apartamento ficava no meio do meu caminho. Ao grupo, juntaram-se José Gregori e Luiz Carlos Lisboa. A Academia móvel ganhou estabilidade e ganhou a função de Academia depois das Seis, desdobramento da Academia antes das Cinco. Muita conversa boa rolou nessas voltas para casa, sobre livros e literatura, personagens e autores. Um rodapé das reuniões do prédio do Largo do Arouche. Às vezes lá mesmo. Memorável foi o dia em que o Márcio Scavone nos convidou para ficar um pouco mais com ele. O inesquecível José Luiz Amaro serviu-nos vinho e ali ficamos em demorada conversação literária.
Como sou do tempo do trem puxado por locomovia a vapor, mais de uma vez contei-lhe algumas de minhas viagens. Em janeiro de 1958, num sábado, ao meio dia e quatro minutos, tomei um trem na Estação da Luz e, de baldeação em baldeação, atravessei a América do Sul. Fui bater nas ruínas pré-incaicas de Tiahuanacu, na Bolívia, quase na fronteira com o Peru. Noutra ocasião fui participar de um seminário sobre a Guerra do Contestado, em Joaçaba, Santa Catarina, no que restava de uma ferrovia que ligara São Paulo a Buenos Aires, três vezes por semana. E outra vez, ainda, a viagem de São Paulo a Brasília, com baldeação em Campinas, quando o terminal do trem era na própria estação rodoviária da Capital Federal. Dali, de ônibus, segui para a histórica Vila Boa de Goiás, para fazer uma palestra para agentes de pastoral e trabalhadores rurais.
São histórias do gênero em que uma história puxa outra. Mais de uma vez, Anna Maria me contou episódios de suas viagens de Santos para a fazenda da família no interior de São Paulo, O trem deixou marcas fortes em suas lembranças, os detalhes, as baldeações, as conversas. Como eu, Anna Maria tinha saudade do trem e do que ele significou para a nossa geração.
O trem inspirou-lhe, também, alguns de seus contos, como o “O túnel”, de 1961, na série que ao longo de anos ela publicou no decisivo Suplemento Literário de O Estado de S. Paulo, sempre na terceira página. Ou o primoroso conto “Plataforma 3”, um mergulho fino nas armadilhas dos equívocos da desigualdade entre o homem e a mulher. A mulher como protagonista silenciosa do lado oculto da vida a dois quando interpretada como vida de um só. O avesso desavessando quem é o mandador e quem é o convivente. Não é um conto feminista, do feminismo vulgarizado a partir dos anos 1970. É um conto baseado nas revelações da vida entre quatro paredes. Como comentou Wilson Martins, um conto moderno.




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