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OLHAI OS LÍRIOS NO CAMPO (MATEUS 6:24-33)
Acadêmico: José Goldemberg
"A nossa civilização teve início há cerca de seis mil anos atrás no Oriente Médio numa região que é hoje o Iraque."

A nossa civilização teve início há cerca de seis mil anos atrás no Oriente Médio numa região que é hoje o Iraque. Os primeiros povos que viviam naquela região, os sumérios, babilônios e assírios tiveram que enfrentar grandes obstáculos naturais, entre os quais as cheias violentas e irregulares dos rios Tigre e Eufrates. Para solucionar estes problemas tiveram que construir diques e barragens, reservatórios e canais de drenagem de pântanos e irrigação que mudaram a face da região e o meio ambiente.

Foram estas grandes obras que possibilitaram uma agricultura produtiva que levou à criação de cidades e impérios. Sem elas, no clima seco e desértico do Oriente Médio não haveria lírios nos campos que tanto impressionaram Jesus há dois mil anos como se pode ver no Sermão da Montanha em Jerusalém, segundo Mateus.

Sem as obras realizadas, provavelmente não haveria lírios no Oriente Médio. Desenvolvimento exige a realização de obras e impactos que podem ser predatórios e modificam a natureza. Preservação ambiental exige a manutenção da natureza. Por essas razões conciliar desenvolvimento essencial para o bem estar das populações com a preservação ambiental exige compromissos.

Estabelecer os limites dos impactos aceitáveis é o grande problema: se forem muito liberais podem provocar danos irreversíveis ao meio ambiente. Se forem muito exigentes podem inviabilizar as próprias obras. Este é o dilema que enfrentamos hoje e solucioná-los se torna cada vez mais urgente porque a ação do homem sobre a natureza no seu conjunto de mais de 7 bilhões de pessoas atingiu um nível comparável à ação das forças geológicas naturais (chuvas, ventos, mares, erupções vulcânicas e outras).

No caso da poluição local estes compromissos foram basicamente estabelecidos com a legislação ambiental adotada na Inglaterra em 1953 que resultou na despoluição do rio Tamisa depois adotadas em suas linhas gerais no mundo todo inclusive no Brasil.

Nos países em desenvolvimento sua implementação deixa muito a desejar porque tem faltado recursos para cumprir a legislação. O exemplo mais flagrante é o caso do saneamento básico (coleta do lixo e a disposição de esgotos residenciais e seu tratamento). Quase metade da população brasileira não tem acesso a ele. A Baia da Guanabara no Rio de Janeiro continua poluída bem como o Rio Pinheiros em São Paulo. A coleta e reciclagem e disposição do lixo urbano está progredindo no Estado de São Paulo mas existem ainda milhares de lixões a céu aberto no país.

Outros problemas ocorrem na construção de hidroelétricas. Os reservatórios necessários para que elas continuem produzindo energia nos períodos secos do ano podem inundar grandes áreas o que impacta populações e o meio ambiente local. Sem elas, contudo as cidades ficariam no escuro. Este é talvez o melhor exemplo dos conflitos entre desenvolvimento e a preservação do meio ambiente e que não pode ser solucionado sem arbitrar entre os interesses dos afetados e dos que são beneficiados pelos empreendimentos.

O novo problema que surgiu nas últimas décadas é o do aquecimento global: a temperatura média do planeta já aumentou mais de um grau centigrado desde 1850 e continua aumentando devido à queima de combustíveis fósseis que tem como resultado a produção dos gases responsáveis pelo aquecimento (global) como dióxido de carbono que são lançados na atmosfera e o desmatamento.

As consequências deste aquecimento poderão ser devastadoras e temos, portanto, duas alternativas: ou nos adaptamos a um mundo mais quente ou tomamos medidas preventivas para evitar que ele se aqueça.
O que fazer então? Atacar os problemas da poluição local que estão nos afligindo agora ou se concentrar novos esforços em tentar reduxir as consequências futuras do aquecimento global?

Este é um falso dilema que foi discutido desde 1992 quando foi adotada a Convenção do Clima no Rio de Janeiro:

É ainda possível evitar o aquecimento global tomando medidas de precaução, isto é, evitando aumentar as emissões de gases de efeito estufa e tomar medidas para reduzi-las?

Ou é tarde demais e precisamos adotar medidas para nos adaptarmos a um mundo mais quente? Exemplo de adaptação seria construir diques para se proteger do aumento do nível do mar como fez a Holanda no passado.

A tese dominante até agora foi a de adotar medidas de precaução e deixar medidas de adaptação para o futuro

Para evitar estes conflitos e não fazer nada são inventadas teorias conspiratórias de todo o tipo e até tentativas de negar as bases cientificas do aquecimento global que são bem estabelecidas. O “ruído” criado pelos assim chamados “negacionistas”, incluindo alguns brasileiros mal informados é adiar a adoção de medidas relativamente simples para enfrentar os problemas entres eles o de reduzir o desmatamento da Amazônia que é a principal fonte de emissões do Brasil. As ações necessárias para tal sobretudo fiscalização são de baixo custo como já foi demonstrado pela redução do desmatamento a partir de 2005.

Portanto, enfrentar o problema do aquecimento global não exige ainda grandes obras mas políticas públicas (e legislação resultante) que orientem o desenvolvimento na direção correta incluindo a adoção de energias renováveis e a solar em substituição à energia gerada queimando combustíveis fósseis.

Já a solução dos problemas de poluição local como saneamento básico exige grandes obras de engenharia e engajamento direto de autoridades locais (prefeitos, governadores). É neles que é preciso investir agora enquanto as políticas públicas surtem efeitos para o futuro.

Não há o que escolher. Ambas ações são necessárias.


*Ex-Ministro do Meio Ambiente e Secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo




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