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LEI ROUANET MAIS UMA VEZ EM QUESTÃO
Acadêmico: Júlio Medaglia
"Na realidade a Lei Rouanet é a ''prima pobre'' das benesses oferecidas pelo governo. Dessa montanha de dinheiro dada como ''incentivo'' a empresas, apenas 0.4 % é que vai para a cultura através da Lei."

De certo em certo tempo sou obrigado a voltar à esta coluna para comentar o assunto “Lei Rouanet”. Fala-se muito dela, critica-se demais seus mecanismos, alguns a querem extinta por seus possíveis “malefícios” e coisas assim. Pouco se fala, porém, dos benéficos trazidos à nossa produção cultural independente, tornados viáveis em decorrência da implantação dessa Lei Federal de Incentivo à Cultura de número 8.313 a 23 de dezembro de 1991. Pior. Não vejo críticas tão violentas ou severas em relação a outros incentivos dessa natureza, oferecidos pelo governo a projetos que sequer conhecemos, muitos deles duvidosos (para a fabricação de refrigerantes, por exemplo...).

Na realidade a Lei Rouanet é a “prima pobre” das benesses oferecidas pelo governo. Dessa montanha de dinheiro dada como “incentivo” a empresas, apenas 0.4 % é que vai para a cultura através da Lei.

E o mais importante nem é o quanto e como essas verbas são repassadas e sim o aspecto filosófico da questão. Ela incentiva a produção independente e motiva empresários e pessoas físicas a colocarem a mão no bolso para participarem de produções, ideias, feitos em geral que tenham a ver com a comunidade que os cerca. Nos Estados Unidos havia algo semelhante no início do século passado. Mas, com o tempo, os empresários notaram os benefícios institucionais trazidos à marca de suas empresas a partir desse envolvimento com a região a que pertencem a ponto de esses incentivos fiscais desapareceram naquele país. Restou só algo semelhante em benefícios a serem abatidos dos impostos de herança, portanto, após a morte do empresário ou pessoa física. Mas isso é coisa do espirito comunit&aac ute;rio norte-americano, algo que desconhecemos.

Hoje já poderíamos citar centenas de projetos musicais, sejam eles na área de espetáculos como na de apoio ao ensino, sobretudo a crianças, no mais das vezes de periferia os chamados projetos de “inserção social” através da música frutos dos benefícios da Lei.

No mês de setembro último fui convidado pelo Ministério da Cultura para ir a Brasília afim de discutir com representantes de todo o país um aspecto da lei: as diferenças e vantagens dos parágrafos 18 e 26 e se seria o caso de propor mudanças. Para que nossos leitores saibam a diferença, no parágrafo 18 projetos de artes cênicas (teatro, circo, mímica e dança), de audiovisual, música erudita, música popular instrumental, exposições de arte e livros podem receber o incentivo da lei. Da seguinte forma: o empresário pode abater até 4% do seu imposto devido a quantia que investir em projetos dessas áreas.


No caso do parágrafo 26, nos projetos de audiovisual, radiofônicos, seriados, jogos eletrônicos, música popular cantada, gospel, fotografia, gravuras, design de moda e periódicos, o investidor pode abater do total investido, apenas 40% do imposto devido, tendo que colocar os outros 60% do próprio bolso.

Os produtores de shows estão querendo modificações na lei, no sentido de trazer os benefícios do parágrafo 18 também para a área da música popular cantada. Ou seja: Jojo Todinho ou Anita poderiam fazem um show no Piscinão do Ramos para milhares de pessoas e quem paga o cachê deles é o contribuinte do Brasil todo. Deu para entender?

Ou seja. Gastar verba de incentivo fiscal para uma área e um tipo de espetáculo que não necessita de apoio fiscal para existir e sequer possui relevância cultural específica.

Outros se queixam que esses grandes musicais americanos montados recentemente no Brasil absorvem grandes quantias do montante da verba disponível da renúncia fiscal. E que O Fantasma da Ópera, por exemplo, não tem nada a ver com a cultura brasileira. (Bem, a ópera Aída também não tem nada a ver com a cultura brasileira. O autor é italiano e a história é egípcia, mas creio que, uma boa montagem por aqui mereceria o apoio de lei Rouanet...).

O que levantei é que o texto do musical é de fato estrangeiro mas o “exército” de profissionais que participam da grande montagem do mais simples tocador de triangulo no fosso da orquestra ao cantor principal, do que aperta o botão da iluminação ao cenógrafo são artistas brasileiros de qualidade técnica e artística absolutamente internacionais se não o espetáculo não teria o mesmo nível do montado na Broadway, como vem acontecendo nessa e em todas as outras produções do gênero no Brasil.

Bem diferente, claro, é a situação do grande montante em incentivo fiscal que foi concedido pelo MinC para a atuação do Cirque du Soleil no Brasil. Essa concessão não faz sentido. O espetáculo aqui apresentado foi inteiramente idealizado, produzido e montado no exterior, arrecadou milhões de plateias lotadas que pagaram ingressos a preços elevados, e se vai sem contar com o talento e a ação de um único profissional brasileiro. Também não deixa nenhuma contribuição à ideia de um circo nacional assim como nenhum outro resíduo cultural ou profissional que possa ser útil ao país.

Acredito que os parágrafos 18 e 26 estão bem estruturados e só esperamos que o atual ministro Sérgio Sá Leitão, que sabe das coisas, deixe um legado de soluções apropriadas para a conjuntura da movimentação cultural independente e que sugira ao próximo governo que vá cuidar das estradas para trazer a soja do interior do Brasil a Santos, que melhore os serviços do SUS, que eleve a qualidade do nosso ensino básico, um dos últimos do ranking mundial. E que deixe a Lei Rouanet em paz...





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