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A CORAGEM DE JOANA
Acadêmico: Gabriel Chalita
"Entrar em uma casa em chamas para salvar algum dinheiro é prova de insanidade. Entrar em uma casa em chama para salvar um filho é prova de amor."

Joana é uma mulher como tantas outras mulheres. Mãe, como tantas outras mães.
Medrosa e corajosa. Alguns medos, ela não consegue explicar. Pensa sobre eles. Depois desiste. Tem medo de barata. Muito medo. Quando tenta racionalizar consegue até rir. "A barata que teria que ter medo de mim", pensa ela. "Ela é tão pequena!". Mas, quando vê uma barata, a razão se vai e fica ela com os seus pavores.

Tem medo de altura. Ah, tem medo de sapo, também. Fica tentando se lembrar se sofrera algum trauma na infância. "Sapo não faz mal a ninguém", diz ela para ela mesma. Tem outros medos. É tímida. Gostaria de ser mais corajosa.

Joana é mãe de João. Deu esse nome em homenagem ao santo e ao pai.
E foi em uma festa de São João, na chácara de seu pai, que Joana experimentou a coragem mais corajosa de sua vida.

A festa acontecia em uma área aberta próxima de uma capela construída pelo pai de Joana. Amigos vieram de outras chácaras. Os enfeites eram as bandeirinhas de sempre. Havia comidas típicas, como em todas as festas de São João. E dança. E fogueira.

Não se sabe como, mas um fogo começou a consumir a casa principal da chácara. E ninguém viu. Joana sentiu alguma coisa estranha que, até hoje, ela não sabe explicar.

Era noite. O barulho era de alegria. Ela deixou a festa e foi ver o filho, bebê ainda, que dormia na casa. Foi quando viu o fogo. Não teve tempo de pensar em chamar outras pessoas. Nunca foi apegada a bens materiais. Se não houvesse ninguém na casa, ela, certamente, não teria a coragem que teve. Se tivesse algum dinheiro na casa, ela não entraria no fogo. Se pensasse nos seus vestidos ou em alguns quadros, ela também não entraria. Joana tem medo de fogo. Nunca gostou de brincar perto do fogo, nem nas festas de São João.

Mas João estava lá. Dentro do quarto. Dentro da casa. E ela entrou. Entrou como uma guerreira disposta a qualquer sacrifício para salvar o maior amor de sua vida. Se tivesse sapo ou barata, ela também entraria. O medo do fogo era justificado. O fogo queima, o fogo mata. Mas o motivo para enfrentar o fogo era maior do que o medo do fogo.

Ela entrou sozinha naquela noite e desviou, não sabe como, de tantas chamas, e chamou pelo nome do menino. Chamou tantas vezes. O menino estava onde ela deixou. Com os olhos arregalados. Com a idade de não saber o que estava acontecendo. Pegou o filho no colo. E saiu sem saber como. Não dá para explicar. Logo depois, o fogo se alastrou ainda mais. Nada sobrou.

Quando os outros vieram, estava Joana com o filho no colo e nada mais. Nada mais era necessário. As coisas que possuíam naquela casa se foram. O filho ficou. Joana começou a chorar. Chorou um choro doído. Foram ver as queimaduras. Não. Não era um choro de dor. Era um choro de gratidão. A vida de seu filho estava salva.

Muito tempo se passou depois desse dia. João é um homem crescido. Tem também os seus medos. E suas coragens.

Os medos fazem parte da nossa constituição. Não há como não ter nenhum medo. Alguns são mais justificáveis do que outros. Mas o que importa aqui é a coragem. E a coragem surge mais forte quando há um motivo. Salvar a vida de um filho é um motivo e tanto.

Entrar em uma casa em chamas para salvar algum dinheiro é prova de insanidade. Entrar em uma casa em chama para salvar um filho é prova de amor. Há muitas fogueiras na vida. Há muitas situações de perigo. É melhor ter algum medo para nos preservar. Jovens que dirigem em alta velocidade sem medo não são corajosos, são temerários. Lugares perigosos devem ser evitados. A violência nos impede futuros. É preciso ter cuidado. Mas há momentos em que enfrentar o medo nos dá recompensas.

O medo de não aprender se enfrenta aprendendo. O medo de falar se enfrenta falando. O medo de não ser amado se enfrenta amando.

Joana salvou João. O fogo levou o que quis, mas ele permaneceu. Ainda ontem, Joana viu uma barata. Subiu na cadeira e esperou alguém para tirar aquela ameaça de sua frente. Gritou. O filho veio. Viu a mãe naquele estado. Riu. E se lembrou daquele dia que permitiu que, neste dia, os dois estivessem juntos.




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