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... E BEETHOVEN EMPOSSOU MACRON
Acadêmico: Júlio Medaglia
"a Europa, mesmo sendo um manancial musical e berço da mais civilizada e criativa comunidade do planeta, possui capítulos em sua história de desavenças entre pessoas e povos de fazer inveja ao Estado Islâmico. "

Há exatos 20 anos fui convidado pelo governador Amazonino Mendes do Amazonas para criar uma orquestra sinfônica para o belíssimo teatro de Manaus que, depois de quase um século de abandono e usos indevidos, teve seu glamour restaurado por sua gestão. Como a ideia era a de criar uma orquestra de nível internacional e não tendo encontrado na cidade músicos com a suficiente qualificação para tal, fui a diversos países em busca de instrumentistas, com a ajuda de Clemente Capella, violinista que, por 40 anos, foi spalla do Teatro Municipal de São Paulo e do trompetista e professor da USP Dr. Sérgio Cascapera, que infelizmente nos deixou recentemente. Trouxemos músicos da Rússia, Bielorrússia, República Tcheca, Bulgária, Estados Unidos, Uruguai, Venezuela e também alguns brasileiros. Foi marcado, então, um encontro com todos no teatro para a solenidade de inauguração da Amazonas Filarmônica. O governador fez um emocionante discurso diante do público, tendo atrás de si aquela “liga das nações” musical. Em seguida, Amazonino me passou o microfone para algumas palavras. Me dirigi aos músicos postados na orquestra e ao público e disse: “Governador. Parece que tudo no mundo foi feito para separar pessoas. O senhor mesmo, para prestar serviços a seu estado, teve que se filiar a um partido, que vem de “partir”, ou seja, dividir pessoas em comunidades políticas diversas. As religiões foram criadas para unir pessoas para o cultivo do bem e do divino e, no entanto, alguns veem Deus de uma maneira diferente de outros. Isso já é motivo para desuni-las e até de lutas entre crenças. Alguns chegam a crer no mesmo Deus, através da figura de Cristo. Uns, no entanto, o contemplam de um jeito, outros de outro, como na Irlanda no Norte, se digladiando como bárbaros. O esporte foi feito para as pessoas se divertirem coletivamente, em estádios. O fato de alguns torcerem para um clube e outros para outro, já é motivo para brigas e até assassinatos. Existe um país em nosso continente, tido como civilizado, o mais rico do mundo, culto e criativo pois abocanhou mais da metade dos prêmios Nobel distribuídos. No entanto, por alguns de seus cidadãos terem a cor da pele mais escura que a de outros, presenciamos preconceitos, perseguições, enfrentamentos e mortes. Os idiomas foram feitos para as pessoas se comunicarem. Mas, uns falam uma língua outros outras e isso é motivo para não poder se entenderem. Esses músicos que vemos aqui no palco não se conhecem, aqui se encontram pela primeira vez mas não podem conversar, pois cada um fala uma língua diferente. No entanto vão ver que a um simples sinal meu, todos vão interagir e se entender como se fossem de uma mesma família, filhos de uma mesma mãe, a “mãe” música”. Fui então ao pódio e a partir de um gesto de regência eles tocaram impecavelmente a Quinta Sinfonia de Beethoven.
Se a política, a economia, as línguas, o esporte, as religiões, a cor da pele e tudo mais têm a capacidade de separar seres humanos, a música, com sua capacidade de falar o idioma da emoção, de colocar beleza em nossas almas, prova que somos todos absolutamente iguais. Apesar disso a Europa, mesmo sendo um manancial musical e berço da mais civilizada e criativa comunidade do planeta, possui capítulos em sua história de desavenças entre pessoas e povos de fazer inveja ao Estado Islâmico. Mas, em 1993 parece que um espírito gregário e de paz começou a motivar sua unificação, fazendo surgir a União Europeia. 28 países eliminaram as fronteiras e foi implantada uma moeda única.
Alguns movimentos xenófobos recentes, porém, tem ameaçado esse ideal de harmonia entre essas nações. A Inglaterra, com sua habitual arrogância étnica se desligou da UE e na França surgiram movimentos nacionalistas que pretendiam seguir no mesmo caminho. Por sorte, 2/3 da população teve a lucidez de escolher um jovem político não contaminado pelos antigos vícios da profissão. Algumas ações simbólicas por ele praticadas logo de início, mostraram para o que viera. Sua visita, no segundo dia de mandato à chanceler alemã Angela Merkel, uma europeísta convicta, já provocou alívio na mente daqueles que temiam um retrocesso no caminho de uma Europa unificada. Mas, sua atitude mais importante, acompanhada pelo mundo através dos meios de massa, foi a cerimônia de revelação de sua vitória. Macron poderia apresentar-se à população e ao mundo como novo líder francês desfilando ao som da Marselhesa no Arco do Triunfo ou na Torre Eifel, monumentos do orgulho nacional. Ou, talvez, no parlamento para exibir seu apreço às instituições democráticas. Poderia ir à Notre Dame agradecer aos deuses por sua eleição, ou, quem sabe, à Praça da Bastilha, onde ocorreu a revolução francesa que tantos exemplos de paz e solidariedade deu à nação e ao mundo. Mas não. Macron escolheu um dos símbolos e acervo mais representativos da inteligência e da sensibilidade humana universais como palco de seu périplo, a praça do museu do Louvre. E caminhou por ela com passos sincronizados com a Ode à Alegria da 9ª Sinfonia de Beethoven - fragmento musical esse escolhido como o hino oficial da União Europeia.
Se aqui no Brasil assistimos hoje na TV a desintegração moral e institucional do país pelas mãos de políticos que foram pagos para nos governar e, ao contrário, nos destroem, temos, pelo menos, o consolo de ver que na antiga e sanguinária Europa, um de seus mais importantes países vai encarar o futuro sob as bênçãos de um dos maiores gênios da história, Ludwig van Beethoven.

Júlio Medaglia

Revista CONCERTO
Junho/17



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