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SAUDADE DE MIM
Acadêmico: Gabriel Chalita
"Não temos a máquina que nos faz voltar no tempo para arrumar as coisas nem a máquina que nos permite ver o que será o futuro."

Assim ela me disse em uma manhã ensolarada:
"Saudade de mim...". "Tenho saudade de mim".
E relatou a sua história:
Depois de alguns anos de namoro, apaixonou-se por outro. Ficou em dúvida se prosseguia a sua relação ou se buscava viver o que acabara de aparecer.
Quem chegou chegou dizendo palavras de amor. Fez promessas de tempos únicos para os dois. Alimentou-a do que ela sentia falta. O outro namorado já estava acomodado com o tempo de convivência. Parecia uma relação boa, mas sem a quentura que é tão atraente quando se fala de amor.
Entre os dois, ela ficou. O primeiro trazia estabilidade. Ela o amava. Definitivamente, amava-o. Gostava de estar com ele. Gostava de sua disponibilidade em dela cuidar. Mas o segundo era como um furacão. Os dizeres. Os toques. Os olhares. Sentia-se mal. Não queria enganar alguém com quem dividira tantos momentos de encantamento. Mas como desperdiçar alguém que chega assim com tanta fome de paixão?
Ao segundo, explicou que tinha o primeiro. O segundo disse que esperaria algum tempo, mas que se sentia mal em saber que "o amor da sua vida" ainda tinha outro. Ela falava que não sentia nada pelo outro, mas que não era fácil terminar uma relação em que não havia brigas, não havia desrespeitos, havia apenas a ausência do que hoje ela sente pelo que chegou. O que chegou gosta do que ela fala. O amado é ele. O outro é apenas uma acomodação, e o tempo vai fazê-lo partir.
O tempo, em vez de trazer alívio, trouxe angústia. Como atender ao telefone do que chegou se, o que estava, estava perto? Buscava ficar sozinha para falar com o outro.

O outro não gostava de ligar e de demorar para ser atendido. O outro era mais exigente. Ela tinha que decidir.
Resolveu dizer ao amor que chegou primeiro que não mais o amava. Não foi fácil a preparação. Chorou sozinha imaginando a dor que poderia causar a alguém que a fizera tão feliz. Mas era preciso ser sincera com ela e com eles.
Falou, então. Fez uma introdução permeada de choros e de dizeres desnecessários e falou. Disse que havia se apaixonado por outro. Que o que eles viveram foi lindo, mas era preciso mudar a página. O que ouviu fez-se de compreensivo. Disse que jamais queria vê-la infeliz. Que o amor é assim. Ela achou que ele aceitou muito passivamente a despedida. Sentiu-se confusa. Um pouco aliviada e um pouco desprezada. Imaginou que haveria muito choro. Só ela chorou. Imaginou que ele dissesse que faria qualquer coisa para não perdê-la. Não foi isso o que ele fez.
Com a cabeça inquieta, foi encontrar o que chegou e contou a história à sua maneira. Disse que foi difícil. Que ele prometeu jamais esquecê-la. Que chorou muito. Que imaginava que envelheceriam juntos. E continuou com sua narrativa inventiva e dramática. O que chegou ouviu e sugeriu a ela que não deixasse o outro. Que ele estava inseguro em entrar em uma relação assim. Que havia pensado melhor e que, talvez, não fosse justo desmoronar uma casa que, há muito, já os aquecia. Ela ouviu estupefata e começou a cobrar as palavras de antes. As exigências de que ela fosse apenas dele. O amor que ele jurara ter por ela. Ele foi carinhoso, mas não como antes. Ficaram juntos algumas semanas. Foi quando ele resolveu terminar. Subitamente. Juntos, não eram como ele tinha imaginado.

Ela não sabia o que fazer. Chorou muito. Viveu tempos inseguros. As semanas com o novo amor não foram leves. O peso de aguardar sua ligação. O incômodo de ligar e se sentir incomodando. A vontade de ligar o tempo todo. Por que ele mudou?
Ligou para o outro. Que a atendeu carinhosamente. Disse com docilidade que tinha saudade. Ele falou que seria bom se um dia saíssem todos juntos. Os dois casais. Falou que estava namorando.

Ela ouviu com dor esse relato. Não disse que havia terminado com o tal amor da sua vida que chegou fazendo tanto barulho e se foi deixando nada.
Disse que sim. Que, certamente, marcariam para saírem juntos.
Desligou o telefone e ficou envolta em dúvidas. Ele já estava com outra antes de eles terminarem? Por isso ele aceitou sem reação alguma? Conheceu depois? Tão rapidamente? Pensou em ligar para o outro. Não. Não faria isso.
Fez. Ligou. E o outro atendeu friamente. Estava ocupado. Ocupou-se tanto dela antes. E, agora, ela era um estorvo, apenas.
Foi quando a encontrei em um dia ensolarado. Contou-me e esperou resposta. Disse que tinha certeza de que o amor verdadeiro era o primeiro. Mas que, agora, parecia não ter conserto. Depois, confessou que quem ainda ocupava seus pensamentos era o segundo. Por fim, confessou. Gostaria de, pelo menos por um tempo, não pensar nem no primeiro nem no segundo. O que achei bom, mas difícil. Em matérias de paixão, os pensamentos não permitem que decidamos nós em quem pensar.
O dia estava ensolarado. Bom sinal. Em um outro dia assim, ela vai abrir a janela e perceber que passou. Talvez passe pela sua cabeça ter feito a escolha errada. Talvez, não.
Escolhas são sempre desafiadoras. O amanhã nasce hoje. Parece desnecessário lembrar. Não é. Não temos a máquina que nos faz voltar no tempo para arrumar as coisas nem a máquina que nos permite ver o que será o futuro.

É um aprendizado separar a serenidade de um amor dos solavancos de uma promessa de amor. Espero que ela se encontre. Sentir saudade de si mesma foi um bom começo.
Por: Gabriel Chalita (fonte: Diário de S. Paulo) | Data: 26/06/2016.






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