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OS BILHÕES QUE NOS FALTAM
Acadêmico: José Renato Nalini
Será que o governo brasileiro tem noção de que a imediata cessação do extermínio da floresta poderia gerar quase vinte bilhões de dólares, ou cerca de cem bilhões de reais num prazo de dez anos?

Os bilhões que nos faltam

O Brasil é um país de iniquidades. Trinta e três milhões de famintos, cento e vinte milhões sofrendo de insegurança alimentar, muitos milhões à procura de uma forma digna de subsistência, outros desprovidos de moradia. Imensa maioria privada de uma educação e saúde de qualidade. Sem falar na reincidência genocida com o extermínio dos yanomamis e de outras etnias. A precariedade existencial dos pobres, dos negros, dos portadores de necessidades especiais, em cotejo com a gastança do dinheiro público em algumas esferas.

Toda atividade estatal se agiganta qual metástase. Mais cargos, mais funções, mais estruturas. Uma república estatizada hostiliza a iniciativa privada, cuja carga tributária, opressiva e excessiva, sustenta o desperdício em tudo o que tem o carimbo de governo.

Para alimentar todos os que dependem do Erário é preciso levar a sério as opções que o Brasil tem e que não têm sido consideradas. Tais opções residem no potencial da floresta que ainda não foi exterminada - embora não tenha cessado o projeto de acabar com ela em pouco tempo - e os países que têm juízo sabem disso. Não só sabem, como injetam dinheiro neste chão insensato e estariam dispostos a intensificar os investimentos, se governo e sociedade mostrassem igual empenho.

O mercado de crédito de carbono é a salvação para um Estado que abomina a ideia de se desinflar e voltar a cuidar apenas do essencial. Se o projeto brasileiro é preservar a cultura do "Estado-babá", que cuida de tudo - embora com notórias deficiências - então que se abra para receber dinheiro dos ricos.

Fala-se em "potencial", mas essa ficção necessita de ação para converter-se em realidade. Será que o governo brasileiro tem noção de que a imediata cessação do extermínio da floresta poderia gerar quase vinte bilhões de dólares, ou cerca de cem bilhões de reais num prazo de dez anos?

Não é um chute, ou mero achismo. Essa estimativa constou do relatório elaborado por pesquisadores do Fundo de Defesa Ambiental para o Projeto Amazônia 2030, com base no preço mínimo de dez dólares por crédito de carbono. Esse preço foi fornecido pela Coalizão Leaf, sigla que significa em inglês Reduzindo Emissões pela Aceleração do Financiamento Florestal, entidade resultante de parceria público-privada, que contou com adesão de empresas e de governos.

Se a conscientização sobre o futuro do planeta ganhar mais consistência, o preço médio do crédito de carbono poderá subir pelo menos 50. Isso resulta da iniciativa REDD, outra sigla para a proposta de reduzir emissões por desflorestamento e degradação florestal, que pode apoiar governos e também entidades subnacionais, como os Estados-membros do Brasil e até municípios. Não é de se desconsiderar que o município, na Federação brasileira, ganhou status federal. Aqueles que ainda têm cobertura considerável de biomas hoje mais do que ameaçados, poderiam se candidatar a receber verbas provenientes dos que aderiram e contribuíram para o manejo dos recursos destinados a impedir a catástrofe ora em curso.

A sociedade civil tem o dever de fiscalizar o BNDES - Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, cuja história tem altos e baixos, mas que é o operador do Fundo Amazônia e que tem a obrigação de apoiar projetos de preservação, desenvolvimento sustentável e combate ao desmate ilegal. Já a Coalizão Leaf tem a finalidade de remunerar os resultados, a efetiva redução da emissão dos gases venenosos causadores do efeito-estufa.

É preciso mais do que discursos, protocolos, cartas de intenção, declarações edificantes e protestos de simpatia à causa. Já passou o momento de cogitação. Agora, é preciso ação. E se o Brasil quiser reverter o quadro tétrico dos últimos anos, em que foi convertido em "Pária Ambiental", epíteto que causou orgulho a um Ministro, mas engulho nos ambientalistas, não pode mais tergiversar. Já foram dois meses de um governo que prometeu retornar aos melhores tempos da ecologia tupiniquim. Mas o tempo não para. Se demorarem as ações, outros países que têm consciência mais sedimentada serão os beneficiários dos trilionários investimentos disponíveis. Com dinheiro não se brinca, sabem os capitalistas. Se não houver planejamento e execução confiáveis, adeus recursos internacionais.

Para minorar suas evidentes e clamorosas deficiências, o Brasil precisa mostrar muito juízo e mais do que boa vontade. Trabalho incessante e determinado. Ainda há tempo suficiente para receber os bilhões que nos faltam. Conseguiremos mostrar que ainda somos dignos de confiança?

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão
Em 04 03 2023



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